Esclarecendo que este blog não se vincula absolutamente a nenhuma posição política; apenas estamos abertos a todos os pensamentos e manifestações humanas.
(Prova disto é que já fizemos uma homenagem aos militares, no post "A Canção do Silêncio no Funeral Militar".
Quando eu era bem pequeno, meu pai Dynéas costumava ler para mim fábulas e histórias infantis, mas também, de um jeito muito próprio e saboroso, falava de revoluções e das lutas dos povos, fazendo com que o Pequeno Polegar convivesse com os guardas vermelhos da Revolução Russa. Assim, se eu me entristecia pela desventura do Soldadinho de Chumbo, vibrava com a promessa do escravo romano Spartacus e seu exército de escravos: “voltaremos, e seremos milhões!”
Já adolescente, meu pai contou-me que muitas nações indígenas afirmam que ao morrermos nos juntamos aos nossos ancestrais e, ao renascermos, todos eles voltam a viver através de nós. Mesmo descrente do aspecto místico, gostava de especular sobre essa ideia, pensando que, além de nossos antepassados consanguíneos, os avós, bisavós, tataravós e os demais que nos antecederam, nossos ancestrais também poderiam ser todos aqueles que, em algum momento do longo curso da história da humanidade, se ergueram contra a opressão e pela liberdade. Por exemplo, os gladiadores que desafiaram o poder de Roma, os negros e indígenas que combateram nos quilombos, os proletários franceses que se sublevaram na Comuna de Paris. Tantos, tantos exemplos... Quantas derrotas contundentes, o amargo sentimento do fracasso inevitável, mas quantas e quantas vitórias esplendorosas, que iluminaram os séculos seguintes!
Hoje, meu pai, Dynéas Aguiar, após décadas de incessante luta pelo comunismo, partiu para se juntar aos seus companheiros de tantos combates, como Amazonas, Grabois, Arruda, Pomar e Arroyo, mas também a outros ancestrais, o espoliado agricultor mexicano que um dia disse basta e se somou ao Exército Revolucionário do Sul de Emiliano Zapata, ou o pequeno vietnamita que lutou contra a dominação japonesa, francesa e estadunidense. Os guerreiros zulus que puseram abaixo a arrogância das tropas britânicas na Batalha de Isandlwana, assim como os indígenas de Touro Sentado que esmagaram a cavalaria do General Custer, em Little Bighorn. Todos os que passaram da indignação para a luta, sem temer consequências, e deixando um grandioso legado para todos os povos.
Dynéas, Amazonas, Arruda e tantos outros fazem agora parte da legião dos que, desde o início da História, lutaram pelo avanço da humanidade, derrubando tantos e tantos impérios que antes pareciam eternos e indestrutíveis e hoje não passam de meros e superficiais verbetes enciclopédicos. Eles são nossos ancestrais, nossos antepassados, a linhagem coletiva da humanidade. Todos eles se foram... Será mesmo? Quem pode garantir que, quando um jovem palestino arremessa uma pedra contra um blindado israelense, seu braço não é também impulsionado por Spartacus? Ou no íntimo de um homem bom e simples, resistindo à prepotência de um patrão explorador e opressor, não ecoam as batidas dos pequenos tamborileiros da Revolução Francesa?
Todas, todas essas vidas e lutas estão interligadas. Se Dynéas não está mais agora entre nós, pode porém estar voltado à vida na Grécia, Espanha, Roma, África, América Latina, Ásia, em todas as partes do mundo onde descendentes dessa formidável ancestralidade coletiva contestam a ordem vigente e, incorporando em si todos os milhões de antepassados combatentes, avançam, cada vez mais, na luta pelo fim da opressão, do jugo imperialista. E a cada gesto de revolta, de indignação, de luta, alí também estão nossos companheiros ancestrais.
Meu querido pai Dynéas, agora você está entre os antigos, os antepassados, os ancestrais. Mas espero também, como garante a cultura indígena, que você volte seguidas vezes a estar comigo, novamente me contando histórias que me encantam, embalam meu sono e me fazem sonhar com heróis valorosos, que tanto você como os milhões de nossos ancestrais coletivos continuem a renascer em todas as partes do mundo, dando novas e valiosas contribuições para o avanço revolucionário, pelo fim do capitalismo, pelo fim da exploração do homem pelo homem.
Dilair Aguiar
Comandante Che Guevara - Grupo Vientosur
Working Class Hero - John Lennon
Yolanda - Pablo Milanés, na interpretação do Grupo Vientosur (para
quem não sabe, esta canção faz referência a uma companheira de Che Guevara)
Internacional Socialista - Letra Franz Jahnke / Música Hans Eisler
Pra Não Dizer Que Não Falei das Flores - Geraldo Vandré
Cálice - Chico Buarque e Milton Nascimento
12 comentários:
Lilly, bela postagem. Me comoveu de forma especial este conto, as canções, tudo.
Você sempre me surpreende; rsrs
Quando me liga dizendo que fez uma nova postagem, e nunca me diz qual foi, sobre quem e o quê, eu fico tentando adivinhar, mas nunca passei nem perto. Esta postagem pra mim tem um significado diferente.
Obrigado, Lilly!
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Parabéns pelo belíssimo texto. Como filho de militar devo admitir que o texto me fez voltar ao passado. Parabéns!!! Reni Dornelles - Caraguatatuba - Litoral Norte de São Paulo
Oi, Li, naum pude aparecer antes pq vc sabe, eu estava em turnê........ maravilha de texto, arrasou......... apesar de eu naum ser comunista, naum pude deixar de achar mto bonita a história de um filho que homenageia seu pai de forma tão emocionante....... que lembra as histórias que ele lhe contava qdo menino...... que relembra suas lutas, vitórias e derrotas.........
qto às músicas, apesar de questionar o conteúdo, naum dá pra deixar de reconhecer que a canção do Vandré eh uma das mais bonitas que já foram feitas no Brasil....... as outras tb são ótimas, inclusive conheço as versões do Vientosur de Comandante Che Guevara e Yolanda e são fantásticas........
Mais uma vez, nota 10...... nota 1000!!!!
Besos
Uff, até que enfim consigo postar!!! Faz horas que eu vinha tentando e não conseguia.
Queridinha, já virou lugar comum dizer que um post seu é bom, mas não há como ser original: muito bom, sensível e interessantíssimo, inclusive apropriado para o momento político, pois entre essas manifestações no País (creio que inéditas e históricas, até prova em contrário), deve haver grupos esquerdistas. Acho bacana quando você nos traz algo mais além de música, e foi um achado esse relato tão belo de um filho em homenagem e lembrança de seu pai. As músicas são perfeitas e, mesmo quem não é comunista, se tiver um pingo de sensibilidade, tem que perceber e apreciar a beleza artística.
Beijokas
Marlon
Fiquei super contente por ter te despertado sensações tão boas, porque este era um dos meus objetivos ao fazer esta postagem.
Espero continuar sempre correspondendo às tuas expectativas e que nossa parceria continue sempre assim bacana, e cada vez melhor e mais rica.
Roni
Eu penso exatamente igual a você. E concordo que a canção do Vandré é uma das mais lindas já feitas neste País em todos os tempos (e veja, ela até critica militares, eu poderia odiá-la...)
Beijoka
Terre
Que bom que você apareceu, eu já tava pensando que tivesse nos abandonado... :(
Sabe que eu também gosto de vez por outra transcender ao tema música e acrescentar algo mais? Adoro ficar bolando e garimpando coisas diferentes. Fico bem contente que isso te agrade.
Beijão
O Terre me falou mto bem deste blog e vim aqui conferir....... realmente, é excelente, aliás não pensei que fosse encontrar este tipo de assunto num blog de música, me surpreendi favoravelmente.
Parabéns, continuem assim que terão um fã de carteirinha.
Vinha tentando postar já há algum tempinho mas não conseguia. Valeu esperar por esta beleza de texto e de músicas, ainda que eu não seja comunista.
Parabéns.
Caro Nelson
Obrigada pelos elogios e espero que possamos continuar sempre merecendo a sua aprovação.
Prezada Liane,
Agradeço a reprodução do texto que escrevi em homenagem ao meu pai, também gravado em vídeo (https://www.youtube.com/watch?v=lF_5QpFgpfM). Para mim, ainda elaborando a perda, é reconfortante ver minhas palavras transcenderem os círculos de esquerda e sensibilizarem pessoas que, como você mesma ressalvou, não são comunistas, mas abertas “a todos os pensamentos e manifestações humanas”.
Confesso que, de início, fiquei um pouco incomodado com os leves retoques feitos por você, mas depois lembrei que uma obra, uma vez publicada, deixa de nos pertencer e se integra ao conhecimento humano; se a essência do que foi escrito permanecer inalterada (como é o caso), as mudanças representam as emoções despertadas no leitor que, em base ao próprio repertório, contribui ao texto e passa também a ser autor. Além disso, seria contraditório defender o fim da propriedade privada, exceto para a minha propriedade intelectual...
Aproveito o contato e, como se trata de um blog sobre música, passo o link da canção “Anos 70” da banda 365, uma das mais representativas do chamado rock de combate da década de 1980, cuja letra descreve muito bem os “anos de chumbo” vividos em nosso país: https://www.youtube.com/watch?v=bQfjqF_ehAA
Um grande abraço
Dilair Aguiar
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